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Quando pagar a multa com 40% de desconto se torna uma pegadinha




Por Marcia Pontes, colunista do Notícias Vale do Itajaí

Foi uma propaganda enorme quando do lançamento do aplicativo SNE (Sistema de Notificação Eletrônica) do Denatran possibilitando que o condutor ou proprietário autuado pudesse pagar a multa de trânsito com 40% de desconto. Num primeiro momento isso pode parecer um bom negócio para o autuado, mas o que eles não dizem é que esse desconto pode se tornar uma pegadinha, pois caso essa infração tenha uma pontuação que estoure os 20 pontos ou se a infração inclui a medida administrativa de suspensão do direito de dirigir o motorista não poderá mais se defender ao longo de todo o processo, restando-lhe cumprir com o período de suspensão determinado pelo Detran. Em Santa Catarina, em algum momento o Detran aderiu ao sistema de notificação eletrônica, mas teve o seu contrato suspenso segundo consta na página do Denatran no link: https://sne.denatran.serpro.gov.br/#/ Mas, como a coluna é lida pelo mundo, não custa nada esclarecer.

O Sistema de Notificação Eletrônica funciona assim: a pessoa baixa um aplicativo para celular, cadastra os seus documentos, placa e renavam do veículo e sempre que for autuada será notificada pelo aplicativo. Optando por esse sistema, o cidadão pode pagar a multa com 40% de desconto, só que precisa abrir mão de se defender no processo administrativo de trânsito. Daí vem a pergunta clássica: mas, se a pessoa já pagou a multa é porque ela concorda que fez a infração; pagando o problema acaba e vida que segue. Só que não é bem assim!

O aplicativo do SNE só é bom negócio para quem cometeu infrações leves, médias, graves e gravíssimas que não sejam autossuspensivas. Ou seja, aquele tipo de infração que por si só, independente de ter estourado os 20 pontos na carteira (na verdade, é no prontuário de motorista). Por exemplo, trafegar 50% acima da velocidade permitida; transportar criança menor de 7 anos na moto; dirigir a moto estando o condutor ou passageiro sem capacete; infrações de embriaguez; racha; empinar moto, dentre tantas outras. Para esse tipo de infração, além da multa e pontuação o Detran já começa a contar prazo a partir da autuação para suspensão do direito de dirigir.

O que os Detrans não contam é que se a pessoa optou pelo aplicativo e por pagar a multa com 40% de desconto será obrigada a declinar do direito de defesa. Daí o processo de suspensão do direito de dirigir é aberto, começa a correr, mas não poderá mais se defender. Ou seja, terá de aceitar o tempo de suspensão que for decidido pela autoridade de trânsito sem nem ter o direito de reclamar, de aplicar os princípios constitucionais de ampla defesa, contraditório e de exercer o “jus sperniandi”. Ou seja, pe-ga-di-nha!

Com desconto não tem recurso

Veja o que diz o artigo 284 do CTB em seu parágrafo 1º: “§ 1º. Caso o infrator opte pelo sistema de notificação eletrônica, se disponível, conforme regulamentação do Contran, e opte por não apresentar defesa prévia nem recurso, reconhecendo o cometimento da infração, poderá efetuar o pagamento da multa por 60% (sessenta por cento) do seu valor, em qualquer fase do processo, até o vencimento da multa.” Ou seja, para obter 40% de desconto no valor da multa o autuado na infração deve abrir mão de defesa e de recurso, não pode mais se defender.

O artigo 290 do CTB também ratifica essa impossibilidade de se defender quando diz que implica em encerramento da instância administrativa de julgamento de infrações e de penalidades quando “o pagamento da multa, com reconhecimento da infração e requerimento de encerramento do processo na fase em que se encontra, sem apresentação de defesa ou recurso.”

A pegadinha divulgada como benefício aos autuados

A respeito do aplicativo SNE ele é divulgado na página do Denatran como oportunidade de “usufruir” dos benefícios da lei para pagar a multa com desconto quando, na verdade, mais prejudica aquele que foi autuado do que ajuda em duas situações específicas: a primeira, quando aquela infração mesmo não sendo autossuspensiva concorre para somar e estourar os 20 pontos na CNH, ocasião em que é aberto processo para suspensão do direito de dirigir.

A outra situação em que o desconto vira pegadinha é quando o autuado, mesmo que não tenha nenhuma infração anterior, comete uma gravíssima que tem como medida administrativa a abertura de um processo de suspensão do direito de dirigir em função da gravidade. Nesse caso, o autuado pensa que fez bom negócio pagando a multa com 40% de desconto, mas não vai poder mover uma palha para apresentar defesa prévia ou recurso contra a suspensão do direito de dirigir. Vai descer quadrado e ficar até 1 ano sem dirigir.

Mas, por que os Detrans não divulgam isso? Nas entrevistas que tenho lido os responsáveis dizem que é uma medida para economizar com emissão de papéis, com abertura e andamento de processos administrativos de trânsito. Eles nunca admitem que possa ser uma inconstitucionalidade por tirar de quem é autuado o direito a ampla defesa, ao contraditório e ao esgotamento de recursos na esfera administrativa, punindo-o sumariamente duas vezes: com a penalidade de multa e com a medida administrativa de suspensão do direito de dirigir sem reação por parte de quem foi autuado. Sem informação as pessoas acabam sendo induzidas a erro e só mais tarde descobrem que, de certa forma, foram enganadas.

Para que eu não seja má interpretada por alguns, é importante dizer que o processo administrativo de trânsito tem sempre duas partes: a autoridade de trânsito que representa o órgão autuador e/ou julgador e o condutor ou proprietário de veículos que foi autuado. Não se trata de tomar partido ou ficar do lado de um ou de outro; trata-se de uma questão eminentemente técnica e jurídica: a população adere a um sistema de notificação anunciado como benefício e que não é esclarecido sobre as consequências futuras que, no caso da abertura de processo de suspensão do direito de dirigir, acaba mais ferrando quem é autuado do que ajudando.

A pegadinha da notificação por email

Mas, tem outra pegadinha aí: a da notificação por email. O que os Detrans costumam divulgar é que para melhor atender aos seus usuários e para dar comodidade, os proprietários de veículos podem se cadastrar no site do órgão para receberem avisos de quando forem autuados em infração de trânsito. Mas, novamente, a consequência disso para o processo administrativo de trânsito não é esclarecida à população: você pode passar a responder a um processo administrativo ou pagar uma multa que poderia ser anulada.

Isso porque quando o cidadão não se cadastra no site do Detran, se o órgão autuador não posta nos Correios a notificação de autuação (o aviso oficial de que o condutor foi autuado), mediante defesa prévia ou recurso (caso a defesa prévia tenha sido indeferida), o auto de infração é arquivado. Já, quando o cidadão se cadastra no site do Detran ele passará a ser notificado por email, substituindo a obrigatoriedade de receber o auto de notificação da infração em casa. Sabe a consequência prática disso para o processo administrativo? Quando utilizado sistema de notificação eletrônica, a expedição se caracterizará pelo envio eletrônico da notificação da atuação pelo órgão ou entidade de trânsito ao proprietário do veículo.  (§ 2º do artigo 4º da Resolução 619/16 do Contran).

Ou seja, se antes, sem se cadastrar no site do Detran existia a possibilidade de anular o processo administrativo, os pontos e a multa porque o órgão de trânsito não postou o auto de notificação de papel em 30 dias a contar da data do cometimento da infração, agora, se cadastrando, a notificação por email bem mais será rápida e dificultará a defesa e os recursos por parte de quem é autuado.

São informações que nunca chegam à população, mas, considerando que todo cidadão merece ser bem informado e esclarecido sobre como se defender no processo administrativo de trânsito, isso justifica a postagem da coluna de hoje.

Haverá quem entenda que é uma questão técnica que precisa ser conhecida da população. Haverá quem me culpe pelo “fogo amigo” ou de fazer as vezes do advogado do diabo. Mas, trata-se de uma questão meramente técnica que nunca é explicada à população pelos órgãos de trânsito.

Márcia Pontes
Especialista em Trânsito

Representante do Maio Amarelo em Santa Catarina

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