Violência contra a mulher é mais grave quando envolve uma ‘autoridade’?
Na semana da mulher, o Mesorregional está uma série de matérias relacionadas á elas do “sexo frágil”, na maior parte são coisas boas, histórias de mulheres fantásticas que fazem acontecer no Vale Europeu. Mas iniciamos a série de reportagens com o assunto que elencamos como o mais importante, que é a violência contra a mulher, já que Santa Catarina amarga um dos piores índices de feminicídio no Brasil.
De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Estado de Segurança Pública, 59 mulheres foram assassinadas em crimes caracterizados como violência doméstica ou que foram mortas pelo fato de serem mulheres. O número é alarmantemente 40% maior do que os registros realizados no ano anterior, já que 42 mulheres perderam a vida por conta desse tipo de crime em 2018.
Para narrar a situação no Vale do Itajaí, buscamos informações de um caso registrado de violência contra mulher no fim de 2019 em Indaial, que envolve uma pessoa pública na cidade e que tem certa semelhança com o fato registrado e flagrado por câmara de vídeomonitoramento essa semana em Blumenau e que tomou repercussão nacional, já que a vítima de Indaial, além de companheira, também foi funcionária do agressor.
“Me sinto retraída, tenho medo de ir em diversos lugares, pois sei que estou correndo risco de vida” diz a vítima de Indaial, que pediu sigilo da identidade por ter passado por dificuldades até mesmo de conseguir emprego, por conta dos fatos. “Hoje estou trabalhando numa empresa, mas foi difícil conseguir emprego, depois que o caso se tornou público, pessoas passaram a virar a cara para mim” diz a ex-companheira do agressor que possui cargo público em Indaial.
Quanto a ação das autoridades a mulher informa que mesmo com registro de vários boletins de ocorrência, com testemunhas arroladas e sequelas das agressões o caso, comunicado pela primeira vez em dezembro para a Polícia Civil, sequer foi encaminhado ao Poder Judiciário como inquérito. “Consegui uma medida protetiva, mas é como se não tivesse, pois ligo para a polícia, mas nunca acontece nada. Se estou num lugar e ele aparece, quem tem que sair sou eu” relata.
A mulher, que teve com o agressor de companheiro por cerca de seis meses, faz fisioterapia por conta de sequelas da violência. “Bem no início era tudo perfeito, mas logo ele não deixava eu usar celular, exigia senhas das redes sociais, queria definitivamente mandar em mim. Num dia do fim de novembro ele saiu de casa e voltou muito tarde e do nada me chamou, me pegou pelo pescoço e disse que iria me matar, consegui fugir, mas falou que se eu não voltasse para casa ele iria assassinar meus pais.”
“Fui convencida por uma familiar dele que nada iria acontecer, acabei voltado, mas poucos dias depois, fui agredida novamente e no nosso ambiente de trabalho, o que acabou sendo a gota d’água para o fim do relacionamento e depois acabei descobrindo que ele já tinha agredido uma outra moça, que também fez registro policial” comentou a vítima, insatisfeita com a atuação do caso, que segundo ela, ainda não virou processo.
O advogado Henrique Kloch, que tem a vítima como cliente, diz que a Lei Maria da Penha – trata sobre a violência doméstica e familiar – aborda os fatores, morais e psicológicos com objetivo de aumentar o rigor da punição do agressor e criar mecanismos para coibir e prevenir a violência “mas, as medidas protetivas direcionadas as vítimas tornam-se sem efeito quando o poder público acredita que mera escrita afasta o agressor.”
“A medida protetiva necessita de amparo policial, de pessoas capacitadas para fazer as cautelas serem cumpridas." ressalta o advogado.
Do que vale uma medida protetiva decretada pelo judiciário no mês de dezembro de 2019, se até o mês de março de 2020 inquérito ainda não foi concluído.” indaga com indignação o jurista. “Sinto muito, mas apenas decretar medida protetiva não se evita a continuidade da agressão, há de ser ter mais agilidade na fase inquisitiva… Nenhuma lei por si só se efetiva, depende de nós para fazer valer seu efeito” conclui Kloch.
Violência doméstica e feminicídio: como perceber os sinais e ajudar
O ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher” é velho e ultrapassado! É dever de todo cidadão denunciar para repelir a continuidade da agressão, encorajar e fortalecer toda e qualquer vítima, respeitando assim os direitos à igualdade e à vida, por isso foi criada a Central de Atendimento a Mulher que atende através do número telefônico 180.
A agressão algumas vezes pode entendida como um aspecto circunstancial, que pode começar numa “piada” e ir até a morte, transcendendo da violência psicológica para a física e assim subsequentemente. Caso você presencie violência em caráter emergencial, acione o número de telefone 190 da Polícia Militar. Caso presencie inúmeras vezes ou desconfie de situação de violência doméstica, pode entrar em contato com o número 180, onde será realizado um registro para averiguação dos fatos.
Punição
O crime de feminicídio, amparado pela lei 13.104/15, é punível com 12 a 30 anos de reclusão e a pena pode ser aumentada em até 50%, caso o crime seja praticado quando a mulher estiver grávida ou até três meses após o parto, na presença da família da vítima ou contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência.
A lei não enquadra, indiscriminadamente, qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. Ela aplica-se quando o crime resulta da violência doméstica ou é praticado junto a ela, ou seja, quando o homicida é um familiar da vítima ou manteve algum tipo de laço afetivo com a vítima; ou quando resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher.
Foto em destaque: Marcos Santos / Usp Imagens