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Blumenau tem quase 50 mil veículos a mais do que motoristas!

Por Marcia Pontes, colunista do Notícias Vale do Itajaí:

 

Para sermos exatos, Blumenau tem 48.968 veículos a mais do que motoristas habilitados no município. A nossa frotinha conta hoje 258.924 veículos e uma quantidade de 209.956 condutores habilitados só na cidade. Desde o primeiro dia do ano até a primeira quinzena de agosto outros 43.358 candidatos à primeira habilitação encaminharam as suas permissões para dirigir. Uma média de 3.495 pessoas aptas a dirigir. Os números são oficiais do Detran/SC e convidam a cada blumenauense a repensar as questões de mobilidade na cidade, o que é, na verdade, um dos maiores desafios. Um dado interessante comentado pelo presidente do Seterb, Marcelo Althoff, em uma entrevista da qual participamos no Dia do Motorista: os débitos de IPVA são infinitamente menores do que os débitos de IPTU em Blumenau, o que sinalizaria uma preocupação maior do motorista com a situação fiscal do veículo do que com a da própria casa. Os financiamentos de veículos também superam os financiamentos de imóveis.

Trânsito que pára e anda nos horários de pico, trânsito que pára e não anda seja pela lentidão, seja porque os mais afobados trancam os cruzamentos. Falar em Dia Mundial Sem Carro para o blumenauense? Bicicleta como meio alternativo de transporte? Como brecar o desinteresse das pessoas pelo transporte público em detrimento do transporte individual? Até as faixas exclusivas de ônibus que foram projetadas para diminuir o tempo de viagem do transporte coletivo começam a ser abertas e compartilhadas todo final de tarde para uso de outros tipos de veículos.

Com tantos motorizados na cidade as consequências vão se alastrando: as obras que se inauguram com pompa e circunstância, assim que forem liberadas para o tráfego já terão sido superadas em sua capacidade de otimização de escoamento e fluidez. Estudos sérios de mobilidade demonstram que abra-se uma nova pista de tráfego e os motoristas já estarão prontos para formar filas e congestioná-las.

Outro ponto em destaque é a capacidade de vagas de estacionamento em via pública para acomodar tantos veículos, o que reflete na alta dos preços cobrados pelos estacionamentos privados. Há estabelecimentos na cidade que fazem a venda casada de horas de estacionamento. Por exemplo, o motorista estaciona seu veículo por 40 minutos e em vez de pagar pelos 40 minutos ou por uma hora cheia é obrigado a pagar 4 horas mesmo que o seu carro, moto ou bicicleta não ocupe a vaga nas próximas 3 horas e 20 minutos que lhe foram cobrados. E aí, vai reclamar para quem se tanta gente já reclama e a prática continua?

Esse reflexo de se ter mais carros do que motoristas na cidade condiz com a realidade de mais de um carro por família. Há casas com quatro carros na garagem e cada um sai com o seu, mesmo que façam o mesmo trajeto todos os dias. Isso sim é que é mobilidade!

As vias são públicas, bens comuns do povo compartilhados por todos, mas o que se vê nos comportamentos e nas práticas de muitos motoristas é um egoísmo sem tamanho! O sujeito acelera, dá sinal de luz, buzina, xinga, faz ultrapassagem proibida pela contramão, coloca a si próprio e aos demais em risco e logo ali adiante pára lado a lado ou na frente do veículo que ele ultrapassou.

Mais parece que a síndrome de dono da rua acomete cada vez mais condutores. A sensação é de que muitos motoristas não aceitam diminuir a marcha ou ficarem parados alguns segundos até que aquele que tem a preferência conclua a manobra ou a conversão. É como se houvesse a obrigação da pista de rolamento sempre livre para que ele não pare o carro até chegar ao destino.

Se o motorista da frente está manobrando e fazendo baliza o de trás fica impaciente, mete a mão na buzina, fica à espreita de uma frestinha para passar tirando fina do “molenga” que demora para estacionar. Parar para o pedestre? A maioria não pára até que um abençoado depois do 15º carro se sensibilize, ligue o pisca-alerta e aguarde o pedestre atravessar.

E por falar em pedestre, como eles andam ariscos e assustados! Não é só criança que tem por hábito atravessar a faixa correndo: a maior parte dos adultos e até idosos apressam o máximo que podem os passos parecendo ter medo do motorista. É como se o pedestre quisesse evitar aquele grito de “sai da frente que eu to passando!” Se um motorista pára, faz sinal e dá a vez o pedestre agradece, faz sinal de positivo, mas ainda assim acelera o passo.

No dia a dia, muitas colisões traseiras poderiam ser evitadas, mas não são porque o motorista ou motociclista que vem atrás não respeita a distância de segurança, não acredita que o condutor que vai à sua frente possa ter que frear para evitar um atropelamento ou mesmo a colisão de outro que corte a sua frente. Você dá seta a um tempão avisando que tem a intenção de convergir e mesmo assim o outro condutor não respeita. Se colocar no modo automático bate.

No meio disso tudo aparecem os oportunistas: bate e foge, bate e mente exagerada e fantasiosamente no boletim de ocorrência para depois entrar com ação no juizado especial de pequenas causas para consertar estragos e amassados antigos do veículo ou até para pedir gordas indenizações porque o carro do outro é melhor ou importado.

Não temos rotas de fuga no trânsito de Blumenau para aqueles casos em que, por algum motivo, a cidade pára no trânsito. Dia dos namorados? Chuva? Obras? Acidente? Oktoberfest? E se o acidente é no “morro da companhia”, a principal rota de ligação entre ambulâncias e os hospitais bairro/centro lascou-se tudo!

A verdade é que essas questões de mobilidade sempre foram muito doídas para os blumenauenses , justamente pela complexidade que representam. De um lado tem-se ruas que não têm mais para onde crescer; as obras viárias de grande monta são caras e demoradas; a frota não pára de aumentar. O transporte público está decaindo a cada dia e as ofertas para compra de motos zero ou carros usados continuam atraentes. O que faria o blumenauense deixar o veículo em casa ou fazer uso racional dele para aderir ao transporte público ou aos meios alternativos de transporte?

Vamos e convenhamos: se você é vendedor de alguma coisa e precisa se deslocar várias vezes ao dia de um ponto a outro da cidade ou tem que se apresentar a uma reunião com clientes numa cidade de calor senegalês como Blumenau vai prezar muito o meio de transporte mais rápido, mais confortável e o ar condicionado. É uma questão de cultura enraizada favorecida pelo alto poder aquisitivo do blumenauense em uma cidade em que quase não se vê carro velho rodando nas ruas centrais.

Alguém aí pensou no rodízio de placas? Certamente, muitos já estarão preparados para terem carros de placas pares e ímpares. Aliás, vai aqui a sugestão de uma pesquisa inédita, com uma amostra ampla de participantes naquele melhor estilo de Censo do IBGE mesmo, controlada pelo número de CPF das pessoas em via pública para tentar saber do blumenauense qual seria o atrativo que o faria deixar o carro em casa (se é que existe esse atrativo). Mas, que se prestasse bastante atenção ao quesito “Não há nada que me faça deixar o carro em casa”.

Ou um estudo que nos mostrasse o custo do congestionamento na cidade com impactos no bolso, na bomba e no meio ambiente. Quantas horas por mês ou por ano o blumenauense passa parado no trânsito?

Os problemas do trânsito na nossa cidade são muito complexos. A pergunta pode ser frequente e simples quando os jornalistas querem saber a solução para este ou aquele problema de mobilidade, mas as respostas sempre serão na razão e na medida da complexidade das questões geográficas, topográficas, culturais e econômicas do blumenauense. Passou da hora de olharmos para o futuro, pois a impressão que dá é de que ninguém acredita que um dia tudo possa parar de vez. “Pára nada!” Tal e qual parece ser o pensamento a respeito dos acidentes: “comigo não acontece”.

 

Márcia Pontes
Especialista em Trânsito

Representante do Maio Amarelo em Santa Catarina

 

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