A família, a escola e a educação para a vida e a via
Na sua coluna de hoje (22) no Notícias Vale do Itajaí, Márcia Pontes, educadora especialista em trânsito fala importância da influência familiar no trânsito e no que conduz a vida de todos os cidadãos. Confira:
A família é a nossa primeira escola. É na família e com os adultos que cuidam de nós quando ainda somos bebês que aprendemos desde o primeiro dia de vida tudo o que vai formar a nossa personalidade, a nossa identidade e o nosso caráter quando crescermos. É na família que aprendemos a falar, e só aprendemos a falar porque ouvimos os adultos falando conosco ou conversando entre si. Na família é que aprendemos a respeitar os mais velhos, a escovar os dentes, a não interpelar alguém quando outra pessoa já iniciou a sua fala. É na família que aprendemos a atravessar a rua olhando para os dois lados, a caminhar sempre pela calçada, aprendemos a respeitar os nossos pais e os nossos professores. Nossos pais e nossos professores são as primeiras figuras de autoridade que conhecemos e que vão influenciar o modo como os respeitamos e às demais instituições. O fato é que o modo como educamos os nossos filhos para a vida é que vai determinar o tipo de adulto e de usuário do trânsito que ele será, seja como pedestre, ciclista, motorista, motociclista ou no desempenho de qualquer outro papel. Em sociedade e no trânsito.
Mas, porque a escolha deste tema quando já estava na ponta da agulha o texto sobre as infrações de trânsito gravíssimas e caríssimas que as pessoas cometem no dia a dia como se não fossem infrações? Porque recebi como um soco na cara a agressão de uma professora por um adolescente de 15 anos em plena sala da direção de uma escola em Indaial e isso me fez relacionar com uma série de outras coisas relacionadas à família, à escola e ao trânsito. As constantes ocorrências de brigas no trânsito em Blumenau também despertaram em mim a vontade de tentar compreender porque as pessoas estão ficando cada vez mais agressivas, violentas e intolerantes. Na vida e no trânsito.
Seja quando uma criança ou adolescente agride verbal ou fisicamente um professor, seja quando motoristas e motociclistas se engalfinham em via pública e envolvem outros motoristas ou até quando pessoas que nunca se viram discutem e tornam-se inimigas em postagens em redes sociais eu confesso que fico com medo dessa sociedade sem limites que quer resolver tudo no tapa.
Nossos pais e nossos professores são as primeiras figuras de autoridades que conhecemos e com as quais convivemos. Mesmo quando saímos de famílias desestruturadas, pouco afetivas, em que se conhece desde cedo todas as formas de violência, a tendência é que muitos trilhem o caminho oposto e busquem nessa nova fase de suas vidas aquilo que lhes foi negado. Outros, mesmo sem revelar detalhes de suas histórias de vida, demonstram em comportamentos hostis e agressivos na vida e na via.
Me preocupa muito a relação entre a família, a escola e o trânsito porque com frequência as ocorrências envolvem os mais jovens que começam a beber, a dirigir, a se envolver em casos de agressões e em acidentes de trânsito cada vez mais cedo. Muitos pais estão cada vez mais distantes da escola, dos professores e dos próprios filhos. Queixam-se que não os controlam mais, perderam a autoridade, não dão mais conta.
Se o modo como educamos as crianças e os adolescentes é determinante para o modo como vamos respeitar as figuras de autoridade em sociedade, cabe uma reflexão: como serão essas crianças e adolescentes agressivos, violentos e arrogantes quando crescerem? Que tipo de cidadão, de condutor, de pedestre, de usuário do trânsito teremos?
Aquele que infringe todo tipo de lei de trânsito e de regras em convivência em sociedade como uma reprodução e um prolongamento do modo como sempre desrespeitaram os seus pais e os seus professores? Dirigirão as suas vidas e os seus veículos de forma agressiva e violenta para compensarem algum sentimento de inferioridade? Para se autoafirmarem? Para terem que tipos de ganhos sociais?
Nunca se falou tanto em educação para o trânsito na escola. Nunca se exigiu tanto a educação para o trânsito desde a pré-escola até a universidade para que as crianças cresçam educadas, gentis, virtuosas, tolerantes; para que se transformem em cidadãs que respeitam as leis de trânsito e evitem acidentes como a nossa geração não soube fazer e nem servir de exemplo.
Em muitas cidades brasileiras já está sendo aplicada a Resolução 265 do Contran, para que os adolescentes do Ensino Médio já comecem a ter as primeiras aulas de Legislação de Trânsito e sejam dispensados das aulas teóricas na autoescola. Tudo pensando nos cidadãos para o trânsito do futuro.
A verdade é que nenhum desses esforços tenderá a funcionar e surtir efeito enquanto as questões comportamentais (e trânsito é comportamento) não forem tratadas desde cedo no seio da própria família. Só vai funcionar se os pais retomarem o controle sobre a educação e a formação de seus filhos, se recuperarem a autoridade de pais e reaprenderem a construir limites com eles.
Vivemos em uma sociedade em que prevalece a ditadura da criança, em que os adultos invertem os papéis e não se sabe mais quem educa quem. Nos dias de hoje os pais parecem desnorteados, sem controle sobre os filhos e os empoderam para tomar decisões que desde que o mundo é mundo sempre foram tomadas pelos adultos. Fazem de tudo para não entrarem em conflito com os filhos e esbanjam em permissividade enquanto ficam cada vez mais distantes da afetividade e dos limites.
Muitas crianças estão escolhendo cada vez o que querem ou o que não querem comer, o que vão vestir e a hora em que vão dormir. Muitos adolescentes é que determinam a hora em que chegarão em casa e os tipos de amizades mesmo quando os pais sabem que são reprováveis. Os professores ficam com medo de certas crianças e adolescentes que testam a sua autoridade o tempo todo e culpam os pais. Estes, por sua vez, não raro culpam a escola e os professores e assim todo mundo vai se distanciando perigosamente.
Educação para a vida e para a via começa de berço, em casa, com pais e filhos construindo limites juntos, construindo as noções de certo e errado, o respeito, a tolerância, a obediência às regras em família para que aprendam a respeitar o professor, o policial, o guarda de trânsito, o idoso e as leis como um todo. Sobretudo, as de convivência em sociedade.
Só com os pais se aproximando dos filhos, dos professores e da escola é que as demais estratégias irão funcionar. Desde que o mundo é mundo é o adulto que educa a criança. Pais ou professores que são agredidos e apanham de criança ou de adolescente não está no pacote. Responsabilizem-se os agressores independente da idade e os que respondem por ele.
A palavra “não” é bem curtinha, mas precisa ser bem usada para evitar problemas enormes que tenderão a aumentar com o passar do tempo e, certamente, se refletirão na vida e na via.