Mobilidade: o que te faria trocar o carro pelo ônibus?
Por Marcia Pontes, colunista do Notícias Vale do Itajaí:
Porque a população de Blumenau não quer mais “andar” de ônibus? O que está acontecendo para que ano a ano se registre uma evasão do transporte coletivo na cidade? Sabemos que a questão é complexa, que envolve custos, insumos diversos e outras variáveis, mas o foco dessa pergunta gira em torno da parcela usuária do transporte coletivo que está migrando para outras formas de deslocamento e da parcela que nunca se locomove de ônibus. Em termos de mobilidade isso pesa muito, pois afinal, como bem coloca a literatura e a experiência mundial, o transporte público urbano (TPU) é a coluna vertebral de todo projeto que dá certo. Preocupante porque em Blumenau parece estarmos indo na contramão diante de números que nos fazem questionar sobre a “mobilidade para quem”. A frota de veículos que em 2017 era de 255.172 aumentou para 262.307 veículos em 2018, ou seja, 7.135 a mais em relação ao ano passado. Em 2018 passaram a circular 917 motos a mais.
Outro dado que chama à atenção é o fato de termos em Blumenau mais veículos licenciados na cidade do que motoristas habilitados (212.296), o que dá 50.011 carros a mais do que condutores. Mas, a frota tende a aumentar ainda mais, pois em 2918 foram emitidas 5.544 novas CNH’s definitivas e cerca de 500 primeiras habilitações por mês. Pode ter certeza que essa gente toda se habilitou e não foi para deixar a carteira guardada na gaveta e, embora o momento econômico que atravessa o país possa não ser dos melhores, ainda não impossibilitou a compra de veículos usados, semi-novos e zero KM pelo tradicional parcelamento.
Para se chegar à resposta de porque as pessoas estão dispensando o transporte coletivo em Blumenau há que se atentar para uma combinação de fatores culturais (compreenda-se como “é o modo como fazemos as coisas por aqui”), fatores socioeconômicos, climáticos e topográficos (e que não são de hoje) para compreendermos o cenário a partir da leitura honesta da nossa própria realidade. Por que será que o Dia Mundial Sem Carro nunca “pegou” em Blumenau? Por que tanta resistência aos meios alternativos de transporte? Existe saída, mas vai exigir iniciativa de todos os lados.
Quando você tem uma fatia grande da população que anda de carro fazendo as estatísticas de motorizados e de CNH’s aumentarem e uma debandada daquela parcela de usuários que sempre utilizou o transporte coletivo aí a descompensação é grande e afeta, sobremaneira, a mobilidade como um todo. Afinal, como ter mobilidade segura, rápida e confortável com uma frota de veículos individuais que não pára de crescer? É tanto carro que têm famílias na cidade com mais de um veículo na garagem e até três ou quatro. Esse sim, tem sido o conceito de mobilidade segura e confortável para quem não usa o transporte coletivo.
Para quem depende do busão a coisa parece que veio piorando com o passar dos tempos, a começar pela falência das empresas que prestavam serviços na cidade. Veio a fase ruim, da contratação de emergência com ônibus caindo aos pedaços, a superação com a vinda dos ônibus novos, mas o pouco de conforto que se tinha foi para o beleléu. Os ônibus articulados que transportavam mais passageiros foram substituídos por ônibus menores, muitos deles com duas portas somente. As estações de pré-embarque com ar condicionado e portas abre-fecha automáticas que foram anunciadas como modernidade e conforto para o transporte coletivo de Blumenau não existem mais, assim como os microônibus Executivo com ar condicionado. Tinha tarifa mais cara que os demais ônibus da frota, mas valia a pena deixar o carro em casa para pegar o “vermelhinho” ou o “verdinho”.
Ninguém tem dúvidas que o assunto mobilidade é a menina dos olhos dos governantes em Blumenau, e uma das maiores necessidades da população, mas essa menina anda meio míope, de visão turva quando se trata de ir à raiz do problema e em responder à seguinte pergunta: se o transporte coletivo é a espinha dorsal de todo sistema de mobilidade urbana que dá certo e o blumenauense está dispensando cada vez mais os ônibus, como promover acessibilidade e mobilidade ao nível dos discursos? Essa mobilidade é para todos ou com uma frota que não pára de crescer a prioridade será os motorizados para tentar dar mais fluidez ao tráfego?
Sabemos que não é uma tarefa das mais fáceis. De simples não tem nada. Até nos países desenvolvidos foi uma tarefa difícil e norteada por medidas impopulares em relação aos proprietários de veículos, tais como: reduzir sensivelmente as vagas de estacionamento nos projetos urbanísticos, aumentar as tarifas para estacionar um motorizado, construir novos espaços de convivência para os pedestres, investir alto em ciclovias e ciclofaixas.
Nos países desenvolvidos criaram-se espaços seguros para os pedestres e ciclistas, sem falar que eles têm trens super rápidos, metrô e outras opções de mobilidade que por aqui, se chegar, vai levar alguns séculos. Faz anos que vimos discutindo assuntos como o Morro da Cia, acesso Velha-Garcia e até pavimentação de ruas sem sair do lugar. O Programa Calçada Nota 10, por exemplo, não prosperou e muitas têm nota zero por conta dos buracos, dos riscos que oferecem aos pedestres e dos carros estacionados em cima delas.
Antes de escrever esse post fiz uma enquete em meu perfil de trabalho nas redes sociais e a pergunta era: o que te faria deixar o carro em casa e aderir ao ônibus como principal meio de transporte? Dispararam: ar condicionado, mais itinerários para os bairros, cumprir os horários sem atrasos, conforto, preço justo da tarifa, circulação mais rápida e segura. Houve quem fez as contas e publicou que na relação custo-benefício sai mais barato usar o carro (e realmente sai). O transporte por aplicativo também está em alta nesse verão de temperaturas altíssimas.
Qual a explicação?
Faz nem tanto tempo assim a FURB divulgou uma pesquisa em que constata a forte dependência do veículo em Blumenau acompanhada de uma resistência a deixá-lo em casa para ir de ônibus ou de outro meio de transporte alternativo. A pesquisa também revelou que a maior parte dos entrevistados tem poder aquisitivo alto, possuem carros nacionais novos, importados e confortáveis. Alguém tem dúvida que esses motoristas trocariam o conforto do transporte individual pelos ônibus sem ar condicionado em pleno verão de temperaturas altíssimas?
Imagine que você é um vendedor que precisa se deslocar de ônibus e chega todo suado para atender o seu cliente. Pega mal já na apresentação chegar todo suado. Tá bom, não gostou do exemplo, então imagine-se o motorista de ônibus que passa a sua escala de trabalho toda dirigindo em meio ao estresse do trânsito que costuma ser maior para eles com uma sensação de calor de mais de 45 graus em alguns dias. Isso afeta ou não a qualidade de vida no trabalho? Calor demais deixa as pessoas cansadas, irritadas e até doentes. Mas, a questão parece não estar só na climatização do ar, pois em outras estações do ano o usuários do busão têm se mostrado insatisfeitos.
Agora para formar o coquetel anti transporte público some-se a cultura do motorizado + o poder aquisitivo alto para ter carro próprio + a falta de ar condicionado nos ônibus + os atrasos + os itinerários que diminuem justamente por conta da baixa adesão ao transporte público + os bairros muito distantes que tornam as viagens longas + a topografia ruim cheia de ladeiras e morros para pedalar + a falta de segurança para pedalar. Será que permitir a circulação de veículos pelas faixas exclusivas de ônibus nos horários de pico atrasa ou não o tempo de viagem de quem está nos veículos maiores e que transportam mais pessoas?
Temos algumas questões culturais arraigadas, cristalizadas e endurecidas, tais como: o blumenauense gosta de carros bons, a maioria pode comprá-los e não demonstram nem um pouco estarem a fim de deixar o possante na garagem para andar de ônibus. Os bairros são distantes, transporte público ainda não cobre esse percurso com a rapidez e conforto de um carro.
Não há ciclovias e ciclofaixas suficientes para interligar a cidade, é perigoso pedalar espremido entre carros em ruas estreitas com curvas e ladeiras. Muitas empresas oferecem bicicletário, mas ainda não têm chuveiro e armários para que os trabalhadores ciclistas possam chegar, tomar um banho antes para tirar o suor e colocar o uniforme de trabalho ou uma roupa limpa (vá pedalando para o trabalho debaixo do calor para ver como é).
É preciso compreender que a ciranda gira assim: se existe usuário e demanda criam-se mais linhas, mais itinerários e mais horários. Sem usuários ou com demanda muito pequena desativam-se linhas, itinerários e horários e quem continua dependendo do transporte coletivo fica ainda mais insatisfeito. O questionamento parece ser: presta-se o serviço, mas quem vai pagar a conta do ar condicionado, do conforto e de tudo aquilo que precisa para manter o usuário do ônibus satisfeito?
Sugestões
A primeira sugestão em uma pesquisa de grande amplitude os motoristas, os usuários do transporte coletivo, a empresa que presta o serviço e o próprio poder público. Perguntar aos motoristas que tipo de atrativos no transporte público os faria deixar o carro na garagem para aderir aos deslocamentos por ônibus e, se mesmo com esses atrativos, eles ficariam menos dependentes do transporte individual, se racionariam o seu uso ou se apenas diriam: “como ficou bom para quem anda de ônibus!”
É preciso sair da esfera das especulações e dos achismos e perguntar aos usuários do transporte público o que o desagrada, o que o deixa insatisfeito. Horários? Itinerários? Limpeza? Segurança? Conforto? Rapidez ou demora nos deslocamentos? Atraso nas linhas? Algo mais que não foi perguntado?
Conhecendo o perfil do motorista de transporte individual, de ônibus e dos usuários de transporte coletivo a partir de uma amostra representativa que assegure o maior percentual possível de respostas, é uma forma de conhecer a realidade para a qual se busca soluções.
É possível reformar as estações de pré-embarque e climatizá-las como já foi antes para que o usuário de transporte público que já torrou o dia inteiro debaixo do sol e das altas temperaturas tenha algum conforto enquanto espera o ônibus nessas plataformas de embarque? Diante das características climáticas da cidade, como viabilizar o ar condicionado nos ônibus e oferecer deslocamentos confortáveis e de qualidade para passageiros, motoristas e cobradores? Quem sabe fique tão bom que até os gestores do transporte público e os políticos passem a alternar os seus deslocamentos usando o transporte público para dar o exemplo. Quem lembra do ex-vereador Ivo Hadlich, usuário fiel do transporte público em seus tempos de vereança?
Diante do quadro que se desenha é questão de se montar uma força tarefa em torno do assunto transporte público porque pelo andar da carruagem, daqui a pouco mais linhas serão reduzidas, modificadas e até desativadas porque vai dar, sim, ainda mais prejuízo rodar com ônibus vazio por falta de passageiros. Aliás, com menos usuários não tem aumento de tarifa que compense e cubra os custos.
Eles, os passageiros, continuarão cada vez mais estimulados a comprar carros usados, motos ou intercalar o transporte público com os aplicativos de transporte. Infelizmente, estamos caminhando para uma situação em que só se desloca em ônibus aquele que ainda não pôde comprar o seu meio de transporte individual e isso afeta, sabota os planos e projetos de mobilidade.
Se esse assunto não for tratado, estudado e manejado com a devida seriedade, corre-se o risco de um inchaço ainda maior na frota, mais congestionamentos, mais anda e pára, mais pessoas deixando de usar o transporte público e migrando para o transporte individual. Ou seja, estaremos indo na contramão da mobilidade ou criando uma mobilidade só para motoristas. Um desafio que não é só do usuário de ônibus, da empresa, do poder público e dos motoristas, mas de cada um.
E aí, qual é a sua opinião?
Márcia Pontes
Especialista em Trânsito
Representante do Maio Amarelo em Santa Catarina
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