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Por que o vereador não pode fazer muita coisa em Blumenau?

Artigo de Thiago Schulze, colunista do Mesorregional:

O título é propositivo, mas não passa da mais pura verdade. Você certamente já se perguntou por que a atividade legislativa de nossos vereadores está tão limitada à denominação de dias, semanas ou quinzenas, à nomeação de ruas ou à coloração de meses do ano. A resposta para tal pergunta se traduz, principalmente, em amarras da Lei Orgânica.

Seria muito fácil trazer aos senhores leitores o enorme número de projetos de lei inconstitucionais propostos por nossos vereadores municipais e chamá-los de incompetentes. Não que eles não sejam por nada fazer em prol da solução deste problema, ocorre, entretanto, que o dispositivo legal que torna a maioria desses projetos inconstitucionais é, por si só, “inconstitucional”.

A Constituição é uma lei maior que limita o poder do líder do executivo, ela surgiu com a Magna Carta do Rei João Sem Terra, como já comentei ao escrever sobre a inconstitucionalidade das multas por decreto em razão da Covid-19.

A Lei Orgânica de um Município é sua “Constituição Municipal”, logo sua função principal é limitar o Poder Executivo (prefeito), não o Legislativo (vereadores).

Em Blumenau, um inciso de nossa Lei Orgânica, mais precisamente o Inciso IV do artigo 35, que diz que “é de competência privativa do Prefeito Municipal a iniciativa das leis que versem sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública do Município”, impede que o vereador proponha lei sobre qualquer assunto vinculado a um órgão do executivo. Por exemplo, um vereador não pode propor um projeto na área da educação, pois Blumenau possui uma Secretaria de Educação, que é um “órgão da Administração Pública do Município”.

Uma breve consulta ao arquivo de projetos de lei da Câmara Municipal desta legislatura, disponível no site oficial da Câmara de Vereadores, pode nos mostrar o quanto este dispositivo é prejudicial para o legislativo, pois ele faz com que um bom projeto de lei acabe nem subindo à plenário para ser votado pelos demais parlamentares, uma vez que acaba sendo “exterminado” já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Infelizmente tal dispositivo está comumente presente nas Leis Orgânicas de várias cidades do estado, entretanto na maioria o mesmo é passado despercebido nos pareceres jurídicos formulados.

Em Blumenau, porém, o mesmo não ocorre. Nossa Câmara de Vereadores possui um dos melhores times de procuradores legislativos municipais do estado, profissionais excelentes que proferem pareceres jurídicos extremamente fundamentados e bem elaborados, sem deixar despercebido um único dispositivo legal. E, cá entre nós, eles é que estão certos, sua função não é opinar sobre leis ou tampouco modifica-las a sua maneira, mas sim segui-las, cabendo aos vereadores corrigir erros como o citado nos parágrafos anteriores.

Em cidades onde a prática legislativa já está melhor desenvolvida, como São Paulo e Rio de Janeiro, tais dispositivos limitadores já nem existe mais, o Poder Legislativo possui muito mais liberdade para trabalhar e acaba sendo muito mais coerente com o voto que recebe em suas proposições.

Em Blumenau, porém, até o presente momento, às vésperas das eleições municipais de 2020, nenhum único vereador, em toda a história da cidade, propôs uma Emenda à Lei Orgânica para modificar tal inciso e ao menos diminuir tal limitação – eis uma grande vergonha.

O Legislativo em nossa cidade acaba, na prática, atuando com “liberdade” apenas nos 6 (seis) primeiros meses de mandato, tempo suficiente para que a maior parte dos parlamentares componha “acordos” com o executivo por “espaços” na administração municipal.

Para aprovar um projeto de Emenda à Lei Orgânica é preciso dois terços dos votos dos vereadores, ou seja, como temos quinze parlamentares, seriam dez votos. Tal proeza acaba sendo praticamente impossível após os seis primeiros meses de mandato, porém antes disso não só é possível como também provável a aprovação.

Já passou da hora de a atividade legislativa de um vereador não mais resumir-se à criação de leis totalmente inúteis, que só acrescentam novas descrições ao Calendário Municipal e tão somente servem para fazer um “agrado político” aos abarcados, sem qualquer efetividade prática. Que nossos parlamentares municipais tenham mais coragem para lutar por uma câmara livre, tal como Montesquieu teve ao descrever, em sua teoria da Tripartição dos Poderes, que deve partir do Poder Legislativo a elaboração de leis, não do Executivo.

Recomendo que Vossas Excelências façam isso antes que o povo demita os quinze e os substituam por um aplicativo, o qual poderia, por um custo infinitamente menor, exercer a função de indicar buracos de rua ou bocas de lobo entupidas, já que a produção legislativa atual, na prática, é quase nula.

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