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Entenda porque quem mata embriagado no trânsito continua dirigindo e responde em liberdade

Por Márcia Pontes, colunista do Notícias Vale do Itajaí:

 

Um motorista embriagado se envolveu em uma colisão que tirou a vida, na hora, de uma motociclista no trânsito de Timbó, no dia 3 de outubro de 2017. Aceitou fazer o teste de etilômetro que acusou 0,22mg/L de álcool no ar alveolar. O que a população não compreendeu foi porque o condutor que estava comprovadamente embriagado sequer foi conduzido à delegacia de polícia: apenas teve o documento de habilitação recolhido e foi liberado ali mesmo, no local, antes mesmo do corpo da vítima ter sido recolhido pelo IML. Não, os policiais não agiram errado, não prevaricaram e não facilitaram as coisas para o condutor. A resposta está na lei brasileira.

Os leitores que me acompanham aqui pela coluna de trânsito do Notícias Vale do Itajaí tiveram a oportunidade de ler o texto que explica o que é infração de trânsito e crime de trânsito.

A infração administrativa de trânsito é quando o condutor sopra o etilômetro (o popular bafômetro) e acusa até 0,33mg/L na tela do equipamento. Aí ele é autuado pelo artigo 165 do CTB, tem a CNH recolhida, é aberto um processo administrativo para a suspensão do direito de dirigir por 12 meses, pagará uma multa de R$ 2.934,70 que vai dobrando conforme a reincidência. Outra pessoa sóbria e habilitada na categoria do veículo vem e leva o carro/moto e o condutor alcoolizado para casa. Ponto.

Mas, e se esse condutor mata alguém? Primeira coisa: quanto deu na tela do etilômetro (bafômetro)? Menos de 0,33mg/L? Então é liberado para responder ao processo de homicídio culposo pelo art. 302 do CTB em liberdade. Se der igual ou mais que 0,34mg/L na tela do etilômetro será conduzido à delegacia, o delegado o autuará pelo art. 306 do CTB, abrirá inquérito policial, arbitrará a fiança de acordo com a situação financeira do motorista alcoolizado e ele responderá a processo em liberdade.

E se o condutor se recusa a fazer o teste de etilômetro? Se ele bebeu, dirigiu, matou, se ele se recusa ao teste do etilômetro e não apresenta sintomas notórios de embriaguez ele será autuado pelo artigo 165-A (recusa a fazer o teste). Tem a CNH recolhida, receberá a multa de quase 3 mil, o Detran tem até 5 anos para abrir processo de suspensão do direito de dirigir e responderá ao processo em liberdade. Se ele se recusa e apresenta sinais de embriaguez, será lavrado o Auto de Constatação de Embriaguez e o condutor conduzido à delegacia para autuação pelo delegado, no art. 306 do CTB, com todas as implicações do parágrafo acima.

 

CNH é devolvida em, no máximo, 5 dias

Uma coisa que muita gente não entende é porque o documento de habilitação volta para as mãos do motorista embriagado que matou ou não no trânsito em, no máximo, 5 dias. É porque é cláusula pétrea na Constituição Federal os direitos fundamentais, o direito de ampla defesa e do contraditório, e o direito de ninguém ser considerado culpado sem que antes tenha sido julgado e esgotado todos os recursos. Os órgãos de trânsito, por lei, não podem reter o documento de habilitação de uma pessoa por mais de 5 dias e têm o dever de devolvê-lo ao condutor. Se o estado retém a CNH por mais de 5 dias o condutor pode indiciar judicialmente o órgão público por não cumprir o que a lei determina e ainda ser indenizado.

 

Porque o motorista embriagado responde em liberdade

Desde 1997 praticamente todos os homicídios no trânsito, praticados por imprudência, imperícia e negligência, são considerados homicídio culposo (art.302) do CTB. Antes do CTB, quem matava no trânsito respondia pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio) direto. O motorista precisa fazer uma sequência de barbaridades no trânsito para ser indiciado por homicídio doloso (com a intenção de matar), atualmente, uma das coisas mais difíceis de se provar no direito brasileiro. O dolo eventual, quando o motorista assume o risco de matar, também tem dividido a doutrina, os delegados, juízes e demais operadores do Direito.

Agora com a Lei 13.546/2017, que começa a vigorar em março e criou qualificadoras para o crime de homicídio no trânsito, há juristas que acreditam que ficou ainda mais difícil indiciar por dolo eventual, já que dirigir embriagado e matar ou ferir de forma grave ou gravíssima pertence ao § 3º do art. 302 do CTB (homicídio culposo).

Muito se falou que quando a nova lei entrar em vigor deixará de existir a fiança, mas, crime de trânsito não é inafiançável. A única diferença é que não será mais o delegado que arbitrará a fiança para quem fere ou mata dirigindo embriagado com alto teor de álcool ou visível estado de embriaguez, mas, sim, o juiz, em até 48 horas. Se é só flagrante de embriaguez ou o motorista embriagado provoca acidente sem vítimas, o delegado continuará arbitrando a fiança.  Há concessões de Habeas Corpus quando o motorista embriagado é preso, mas, comprova que é hipossuficiente (é comprovadamente legítimo o seu atestado de pobreza e não tem renda suficiente para pagar a fiança).

Por outro lado, o art. 301 do CTB assegura ao condutor, inclusive o embriagado, que provocou o acidente de trânsito, que feriu com ou sem gravidade ou matou no trânsito, que ele não pague fiança e nem seja preso em flagrante, se prestar socorro pronto e integral à vítima. E isso vale para a vítima já morta, pois não é obrigação do motorista atestar o óbito ou não: ele apenas faz aquilo que o art. 301 do CTB determina. É a lei. Ou seja, mais um motivo para responder em liberdade.

Mesmo com a qualificação do homicídio culposo pela Lei 13.546/2017, que prevê que a pena seja de 5 a 8 anos de reclusão para quem mata ou fere alguém dirigindo embriagado (continua sendo de 2 a 4 anos para quem mata ou fere sem estar embriagado), ainda continua existindo a possibilidade de pagamento de cestas básicas em vez de prisão após o julgamento, pois, para qualquer crime culposo o art. 44, inciso I do CTB permite isso se o réu se encaixar nos critérios exigidos. Independente da forma ou tempo de condenação desde que seja culposo.

Como os leitores podem constatar, apesar de todo o clamor popular pelo endurecimento das penas para quem mata ou fere dirigindo embriagado, não é uma lei só que vai resolver isso. O Código de Trânsito Brasileiro conversa em diversos artigos com o Código Penal, com o Código de Processo Penal e com a Lei 9.099/95, que trata dos juizados criminais e dos crimes de menor potencial ofensivo, no caso da lesão corporal leve em crimes de trânsito e crimes com penas abaixo de 2 anos. Este é o tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Direito de Trânsito.

 

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