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Qual o verdadeiro sentido das campanhas educativas de trânsito?

Marcia Pontes faz um convite para juntos refletirmos sobre o verdadeiro significado da Semana Nacional do Trânsito e campanhas que chamamos de educativas: você pode fazer quantas ações e campanhas educativas quiser, mas se não tiver indicadores de avaliação jamais saberá se elas deram resultado ou não. É o preço que pagamos por tratar de forma rasa temas tão profundos como a segurança viária. Confira seu artigo desta semana no Notícias Vale do Itajaí:

Na Semana Nacional do Trânsito convido à todos a uma reflexão oportuna. Qual o sentido das ações que chamamos de educativas de trânsito e que se realizam país afora nas datas comemorativas como esta e ao longo do mês do Maio Amarelo? A cada ano as ações parecem se repetir, ao mesmo tempo em que a preocupação parece, muitas vezes, ser com a quantidade e não com a qualidade do que se faz. No final dessas ações comemoram-se cada vez que se contabilizam tantas palestras, tantos mil panfletos distribuídos, tantas “blitz educativas”, tantas pessoas envolvidas a mais, e por aí vai.  Mas, quais os indicadores para avaliar, mensurar, medir a responsividade dos participantes? Como sabemos que aquilo que realizamos deu mesmo resultado?  Quais as ferramentas de qualidade que utilizamos para justificar a visibilidade que tentamos dar a essas ações que se destacam em datas comemorativas?

Sabe aqueles 5 mil panfletos distribuídos na Semana Nacional do Trânsito com dicas de segurança no intuito de fazer com que as pessoas não dirijam depois de beber? Quantos deles deram o resultado esperado?

E aquela campanha para estender o braço antes de atravessar na faixa? Que indicadores temos de que elas realmente funcionaram? Quantos pedestres passaram a agir com todas as cautelas exigidas no artigo 69 do CTB para os autocuidados e a segurança dos pedestres? 

“Pôxa vida, eu entreguei o panfleto e aquela mulher jogou no lixo!” Pois bem, temos de aceitar que é isso que muitas pessoas fazem quando recebem algum material deste tipo que chamamos de “educativo.” Não interessa se a sua intenção é salvar o mundo dos acidentes de trânsito: nem todo mundo vai se importar e não vai adiantar ficar chateado.

O fato é que a segurança no trânsito, a epidemia de mortes, de sequelados e os altos custos que pagamos para além dos custos patrimoniais com acidentes ainda sensibilizam uma parcela medíocre da população. Tem muito mais pessoas provocando acidentes diariamente porque abusam da velocidade, porque atravessam na faixa com a sinaleira vermelha para os pedestres, porque não afivelam o capacete no queixo, porque não cobram o uso do cinto de segurança, sobretudo no banco de trás, porque não protegem as crianças na cadeirinha e por aí vai. Gastamos milhões por ano em campanhas para pedir o óbvio aos usuários do trânsito.

A coisa mais simples que tem é pedir para fazer uma lista de ações que chamamos de educativas de trânsito: palestras, desfiles, distribuição de panfletos, de laços, de fitas, de adesivos, fazer apresentações na praça, teatro, simulação de acidentes e outros eventos. Mas, e o resultado disso para além dos números? Há pouco tempo tivemos um acidente durante um evento com motos na BR-470. Um acidente em meio a um movimento para tentar impedir acidentes!

Vejam o caso de Blumenau: alto índice de acidentes envolvendo motociclistas e motoristas embriagados, por exemplo. Feito cachorros correndo em volta do próprio rabo lá vamos nós para as ruas fazer “blitz educativa” sem indicadores de responsividade porque tratamos de forma rasa os assuntos profundos relacionados ao trânsito.

Difícil encontrar uma cidade brasileira que tenha uma política pública séria, bem definida, sustentável e bem executada para a segurança no trânsito. As ações ao longo de todo o ano são desconexas, isoladas, desestruturadas, não são integradas e sistêmicas. Setores ligados ao trânsito mal se conversam, mal interagem.

Quando se fala em sociedade civil organizada a primeira coisa que vem em mente para muitos é não deixar faltar nenhuma das representações, das entidades, que geralmente são grupos segregados com objetivos comuns que nem sempre são aqueles dos demais usuários do trânsito. E assim vamos esquecendo a parcela maior da população, os não escolares, os idosos que caminham ou que dirigem e que junto com as crianças são as principais vítimas de acidentes. 

Faz-se ações repetidas ano a ano com foco nas escolas ou nos pontos mais movimentados do centro da cidade, as chamamos de educativas com um entusiasmo de quem inventou a roda e ignoramos que a Semana Nacional do Trânsito é um período para avaliarmos aquilo que fazemos o ano inteiro e aplicarmos ferramentas da qualidade para a melhoria contínua.

Pertenço a uma escola em que a Semana Nacional do Trânsito é uma data para se rever, se refletir, se debruçar sobre todas as ações preventivas que fazemos durante o ano, como em um Diagrama de Ishikawa ou ciclo de PDCA nas suas quatro etapas para agir sobre o que é feito e promover melhorias contínuas. Em tudo o que se refere ao trânsito a ferramenta não funciona porque pulam-se as demais etapas e vai-se direto para o agir a toque de caixa, para cumprir tabela. Sem indicadores de avaliação, sem planejamento estratégico, sem responsividade para tudo o que se ousa fazer. Que resultado prático deu a campanha? Nunca se sabe.

É fato que o interesse pelos assuntos do trânsito deveria ser natural e atemporal no país em que mortos, feridos e sequelados cravam uma verdadeira epidemia. A movimentação, os debates, o interesse e as ações integradas, sistêmicas e estruturais deveriam ser o ano todo sem esperar por leis e calendários específicos.

Fico me perguntando até que ponto a sociedade se importa e quer mesmo salvar vidas no trânsito enquanto o ano inteiro o tema é tratado de forma tão relaxada. Cidades centenárias que sequer têm políticas públicas voltadas para o trânsito; escolas que não colocam esse tema fundamental em seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), empresas que gastam milhões em equipamentos de proteção individual e veem seus funcionários morrendo porque não sabem se comportar no trânsito, além das ações “educativas” e de “prevenção” focadas no de sempre: palestras e distribuição de panfletos.

Não que esses recursos não sejam considerados, mas precisam estar integrados e contextualizados em ações permanentes, estruturais, que cheguem, acima de tudo, à população, principalmente a não escolar. Alguém aí ouviu falar de segurança viária laboral? Visão Zero? ISO 39.001 para a gestão da segurança viária?

Sem uma plataforma cultural voltada para a segurança no trânsito, colhemos o fruto amargo de tratar de forma rasa e agendada anualmente os assuntos mais profundos. Que na próxima Semana Nacional do Trânsito tenhamos muito o que avaliar daquilo que realizamos o ano todo sem preocupação com a quantidade, mas com a qualidade do que estamos fazendo.  

 

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